domingo, 21 de setembro de 2008

HILDACÍLA



Pobre velhinha!

Desde moça, dizia que se tivesse filhos, gostaria que estes fossem todos meninos, pois detestava “aquele jeito fresco e enjoado de menina”. Batata! Um ano depois do casamento nasceu o primeiro menino, João Vitor, e dois anos depois o segundo, José Henrique. Mas como era um tanto chata, ou como costumava dizer, “uma mulher exigente”, os filhos sempre foram mais apegados ao pai. E quando os filhos enfim chegaram naquela fase de namoro e por fim do casamento, afastaram-se ainda mais dela. Afinal, era muito difícil para as noras conviver com a sogra que geralmente se referia a elas como “sirigaitas”, “aproveitadoras” e muitos outros adjetivos depreciativos. Depois que seu velho bateu as botas então, as coisas ficaram piores ainda! Os filhos apareciam uma vez por mês e olhe lá. Nem mesmo os netos (todos os três, meninos) lhe davam muita atenção preferindo a companhia de suas avós maternas.

Não tinha jeito. Por mais gosto que tinha pela companhia masculina, sempre perdia o páreo para outras mulheres: as noras, a outras avós de seus netos; até seu marido quando vivo preferia estar com as “sem-vergonhas com quem pulava a cerca” do que com ela. O único macho que considerava lhe ser fiel, era o Boris. Um Siamês que já por três anos amenizava os pesares de sua viuvez.

Não gostava de futebol, assistia à novela a seu lado todo dia e toda vez que sentia fome, ao invés de perguntar se a janta estava pronta, vinha se esfregar em suas pernas enquanto ronronava pedindo atenção. Quanto a outras mulheres, não chegava nem perto, principalmente de suas noras (para sua satisfação). E se alguma se aproximava, ficava todo arisco, mostrando logo as garras e presas. Em resumo: tudo aquilo que ela esperou que os homens de sua vida lhe dessem, Boris dava de sobra.

Mas a alegria durou pouco. Num domingo nublado, pôde ver pela fresta da cortina a chegada um caminhão de mudança. Torceu o nariz ao ver sua nova vizinha administrando o descarregar de seus móveis. Por volta das seis da tarde, quando preparava o apetitoso jantar de Boris – whiscas sache - ouviu o tin-dom da campainha. Era ela, a nova vizinha. Uma loira (tingida) de cabelos encaracolados (pixaim) e olhos azuis (lentes de contato), vestindo uma calça leg (de perua) e uma blusinha (com um decote enorme!) e segurando seu animal de estimação (pulguento) no colo. Uma gata angorá de pelo acinzentado (cor de burro quando foge).
- Boa tarde. Sou sua nova vizi...
-Não estou interessada!
-Não senhora, eu não estou vendendo nad...
Bateu a porta atrás de si e pode escutar a moça dizendo:
- Nossa, que grossa!
Deu um sorrisinho de canto de boca, e resmungou entre os dentes: - Rapariga! - e começou: - psiu – psiu-psiu Boris meu nenê, vem com a mamãe, vem. Boris, Boris cadê você? - olhou ao redor, e não achou o bichano, abaixou-se com muito esforço, mas não o viu debaixo da pia. – Boris, Boris, seu levado! Não se esconde da mamãe senão você não ganha papa! – apurou a audição, que era muito boa para sua idade, e escutou:
- Olha Tifani, que gracinha! Parece que você arranjou um namorado.
A velha endoidou! – Namorado? Namorado? – repetia. Virou numa velocidade e como se fosse o Jack Chan, pulou os degraus da escadinha que saia de sua porta e correu na direção da mulher enquanto gritava:
- larga ele sua desfrutada! Larga meu nenê!
A mulher tomou um susto, e quando menos esperava já tinha a idosa a estrangular-lhe o pescoço através das barras do portão.
– Sai de perto dele, vocês já levaram meus homens embora, mas o Boris ninguém tira de mim.
- Socorro, socorro – urrava a mulher num grito sufocado pelas mãos enrugadas da anciã. Foi um barraco só! A vizinhança inteira apareceu na janela. A senhorinha, após cansar de estrangular a loira, agarrou o felino pelo rabo, e o arrastou para dentro enquanto a rua toda a vaiava.

A velhusca passou um tempão sem dar as caras. E quando apareceu não era mais acompanhada por Boris que, conforme contam, podia ser visto muitas vezes trancafiado em casa a olhar pela janela em busca de Tifani sua amada – é, foi paixão a primeira vista. A vizinha bonitona, ficou tão envergonhada com o caso, que preferiu pagar aluguel em outra vizinhança. Mas por descuido de sua dona rabugenta que esqueceu a janela aberta, Boris desapareceu sem deixar pistas.

A velhota virou só tristeza. Não comia, não dormia e muito menos tomava banho (podem imaginar a catinga?) No entanto um belo dia, acordou com uma disposição que não mostrava a anos, se é que já havia demonstrado. Tomou café, banhou-se (enfim!), e foi até o pet shop. - Bom dia! Vim compra um animal de estimação. Pode ser qualquer tipo, desde que seja fêmea. - Desculpe senhora, mas não temos todos os bichinhos que temos a venda no momento, são machos. A não ser aquele hamister .
- Vou levar. Cansei de machos em minha vida! Se tivesse tido uma filha talvez não fosse tão sozinha agora.
Comprou ração, uma gaiolinha e saiu a cantarolar e a conversar com o roedor, ou melhor, roedora a qual deu o nome de Guilhermina. Tornou-se outra. Agora cumprimentava as vizinhas, e até sorria!

Mas, talvez por alguma decepção amorosa, Boris resolveu voltar. Nesse dia a velhota, que aguardava a visita dos filhos e até das noras (pasmem!) com ansiedade, deixara Guilhermina livre a passear pelo assoalho. – Guilhermina, onde você foi parar menina? Joãozinho e Zézinho estão chegando com as crianças. Você não quer ser pisoteada não, né?
Entrou na cozinha e engasgou ao ver: Boris como quem acabará de dar o bote, estava com um bigode estranho no focinho. Um bigode marrom, mexendo pra lá e pra cá. - Nãaaaaaaão!!!
Os filhos que já estavam no portão, correram para acudir a mãe. A coroa estava estatelada no chão, tremendo, com o indicador apontando para o gato
. - Gui- Gui- Gui...
Todos olharam para o siamês. Esse, como que com medo de lhe tirarem a refeição, chupou o que restava da Hamister (seu rabo) para dentro da boca, como quem chupa macarrão.
Ao ver a cena, a velha desengasgou: Gui - Guilhermina!! Deu um ultimo suspiro e virou o rosto para lado, já dura e fria.

Na lápide foi escrito o seguinte epitáfio:
- Aqui jaz Hildacília. Viveu todos os anos em função dos homens de sua vida – seu marido, filhos e netos.
Morreu devido à única “menina” que já amou.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

terça-feira, 2 de setembro de 2008

UM FATO MARCANTE NO VELÓRIO DO PAI DE PROMONTÓRIO CAPELINO DE SOUZA

Aquele dia não fora como os demais em minha vida.
Ele estava fadado a marcar definitivamente todo meu passado e futuro.
Eu, Promontório Capelino de Souza, tenho comigo que este é um dos dias que nunca vou me esquecer, é o dia em ele morreu.
Não que tenha sido um bom pai, muito pelo contrário, foi uma péssima pessoa. O tipo de homem que batia na mulher, e nem ligava pros filhos. Por isso, eu nem gostava dele. Mas nunca vou me esquecer do dia em que ele morreu.
Estava quente naquele dia, o tipo de calor que só quem nasceu no nordeste consegue suportar. Apesar de eu não ter sentido pena pelo falecimento de meu pai, tive que comparecer ao velório, claro, como manda a boa educação e respeito. Então, lá estava eu, andando de um lado pro outro, observando os parentes e amigos, que vinham me cumprimentar, e dar os pêsames. Eu fingia que estava sentindo pesar, pra não ser mal-educado.
Vários parentes que nunca vinham nos visitar estavam lá. Talvez pra se certificarem de que ele estava mesmo morto, não sei. Também tinha muitos amigos dele. Eu só ouvia comentários do tipo "Ele era uma ótima pessoa", "Ele vai fazer falta", "Um homem bom como ele não se encontra todo dia", Nem parecia que estavam falando do mesmo homem que eu conheci, que só falava comigo quando era pra exigir alguma coisa, e ai de mim se eu não obedecesse!
Num cantinho, uma tia chorava como uma bezerra desmamada, sempre com algum outro parente a lhe oferecer um braço como consolo, e um lenço limpo pra ela enxugar as lágrimas.



Como meu pai morreu,é mais um exemplo de como sua vida era devotada às besteiras inúteis.Ele morreu lutando por nosso jornalista Aristarco Vieira de Melo,o dono do jornal "Os Sertões",o qual meu pai,um leitor assíduo,comprava todos os sábados.E,assim como os fiéis da igreja Jesus Virá,Aleluia!...,meu pai acatava todas as opiniões contidas no jornal com se fossem leis absolutas.
E,por isso,quando Aristarco começou uma série de provocações contra o músico Talinho Malino de Menezes,meu pai,como um fiél seguidor do jornalista,falava mal do músico,mesmo que nunca tenha ouvido uma música sequer dele.
Aristarco,como a mairoria dos honens que conseguem grandes cargos na sociedade,usava e abusava de sua condição.Como dono do jornal,se fazia o responsável por tudo o que aconecia na cidade.Como se o fato de noticiá-las o tornasse o dono dos ocorridos.Quando um determinado evento ocorria na cidade,o sucesso,segundo ele, era consequência de seu empenho em exibir Curiapeba em seu jornal."Uma cidade só cresce quando sua história é registrada e noticiada!",ele costumava dizer.E,se alguém discordasse de qualquer coisa publicada,ou por qualquer outro motivo,se tornasse um desafeto do dono do jornal,ele publicava uma nota mencionando como a pessoa agia com má fé contra os modos da cidade.
E, como tambem acontece com homens de grande posição,ele arregimenta uma legião de cegos seguidores.Como meu pai.
Só de ler que Talinho estava misturando a música caribenha com a música brasilçeira,meu pai já esbravejava que isso era cuspir na cultura nacional,um desrespeito aos nosso verdadeiros costumes,e outras sentenças,repetidas quase exatamente como eram redigidas no jornal.
Foi isso que o fez ser morto,naquela tarde de sábado,na praça das boiadas,em meio àquela algazarra toda que se instalou no centro de Curiapeba.Foram socos pra um lado,pontapés pra outro,gente correndo e se escondendo.E duas mortes,entre as quais,meu pai.
Aristarco Vieria de Melo,o herói que meu pai defendia,após levar os primeiros sopapos dos defensores de Talinho,fugiu,e se escondeu nos fundos do bar do João Emílio Krauser,ele nem deve ter visto o que aconteceu, enquanto a população de Curiapeba demolia o centro da cidade,cada grupo defendendo um dos lados da bruiga.
Meu pai devia estar no bar do João Emílio,bebendo catilóia.Provavelmente,ele deve ter ficado enjuriado ao ver seu ídolo todo esfolado,e entrou na briga,que só acabou quando os tiros para o alto do coronel Benvindo dos Santos Arruda Real se fizeram ouvir.
Quando a poeira assentou,e os dois corpos foram levados para suas respectivas casas(coincidentemente,um dos mortos defendia Talinho,o outro,o meu pai,defendia Aristarco),as pessoas se fizeram sentir pelo jumento esfaqueado,mas os mortos,só as famílias sentiram,os outros,nem devem se lembrar que duas pessoas morreram ali.
O jornal Os Sertões,que meu pai tanto adorava,noticiou o fato,mencionou a morte do jumento,mas não mencionou nomes dos homens mortos.É isso que meu pai ganhou por ter entrado na briga de quem nem sequer o conhecia.Mas duvido que Aristarco iria ao velório de meu pai,mesmo que o conhecesse.
Mas ,vamos voltar ao que eu realmente quero contar sobre o velório de mau pai:


Eu estava cansado, e com calor. Não queria estar ali. Mas tinha que estar.
De repente, entra no recinto uma senhora, que eu não conhecia, acompanhada de uma moça lindíssima. Morena, com cabelos volumosos, lábios carnudos, que mais pareciam uma flor, olhos grandes, e um corpo cheio de curvas, do tipo que deixa qualquer mancebo de cabeça virada. Todos os homens que ali estavam olharam pra moça, apesar de ter que manter o respeito pelo finado.
A senhora entrou, aproximou-se para ver o corpo, e cumprimentou alguns dos presentes. E eu fiquei curioso em saber de quem se tratava.
Eu cheguei a minha mãe, mas, pra não dar na vista, usei de um pequeno subterfúgio:
- Mâinha, quem é aquela senhora que acabou de entrar?
- Num sei, não, meu filho. Dispois eu pergunto.
Enquanto isso, eu continuava curioso em saber quem era aquela moça tão bela.
Eu andava de um lado pra outro, sempre "esbarrando" em algum amigo do meu pai, ou algum parente, que me abraçava, ou apertava minha mão, se demorando por algum tempo, pra me contar alguma história vivida com meu pai, como se eu estivesse interessado. E, pra não ser mal-educado, eu fingia interesse. Mas eu nem sequer ouvia, meu olhar estava na moça. Eu dava uma espiada rápida, disfarçadamente, pra onde ela estava. Eu não queria perdê-la de vista. Queria aproximar-me dela, e perguntar quem ela era, como alguns dos homens já estavam fazendo. Mas eu tinha que dar atenção pra todos os parentes, tinha que fingir que estava sentindo a morte de meu pai, não podia me aproximar da moça sem dar na vista das pessoas.
Quando finalmente, me livrei do amigo de meu pai, e sua história fascinante de alguma aventura qualquer de adolescente com meu pai, meu olhar procurou a moça. Mas não a achei.
Droga! Eu a tinha perdido.
Mas ouvi a voz atrás de mim:
- Olá!
Virei-me, e lá estava ela, que me estendeu a mão.
- Meus pêsames pela morte de seu pai.
- Obrigado.
Retribui o aperto de mão. E não resisti em perguntar:
- Você conhecia meu pai?
- Não, eu não. Eu só estou aqui pra acompanhar minha tia. Ela conheceu o seu pai, quando ele era moço.
Ao dizer isso, ela deu um breve sorriso. Um lindo sorriso. Eu, então, aproveitei.
- Meu nome é Promontório Capelino de Souza. - eu disse, estendendo novamente minha mão.
- E o meu é Imbromélia Cromilda Adelaide. Muito prazer!
Depois disso, passamos o velório todo conversando, e nos conhecerndo melhor. Depois do funeral, combinamos de sair. Ficamos noivos em pouco tempo, e hoje, somos casados, e temos três filhos.
Por isso, sempre que chega o aniversário da morte de meu pai, eu agradeço. Ele pode ter sido um péssimo pai, mas pelo menos, sua morte foi um dia especial pra mim, pois foi onde eu conheci Imbromélia, a mulher da minha vida.