segunda-feira, 29 de junho de 2009

UM CONTO SOBRE COMO CONHECI O GRUPO DE ESCRITORES DE MAUÁ



ARISTIDES THEODORO, CASTELO HANSSEN , IRACEMA M. REGIS E EU



O JORNAL DIÁRIO DO GRANDE ABC DEDICOU MEIAPAGINA DO CADERNO SETE CIDADES AO LANÇAMENTODOS LIVROS DO GRUPO DE ESCRITORES DE MAUÁ.


UM CONTO SOBRE COMO CONHECI O GRUPO DE ESCRITORES DE MAUÁ*
por Marcos Roberto Moreira




Depois de um banho não tão rápido, me arrumei e sai. Na época trabalhava em Santo André, cidade vizinha. Tomava um ônibus até o centro, e de lá, um trem para chegar ao serviço. Tinha como costume atravessar a roleta e quando possível, sentar num banco ao fundo. Mas naquele dia vi um banco vazio próximo a porta do meio, e acabei por sentar ali mesmo. Aproveitando os minutinhos que tinha até o terminal, abri meu livro e comecei a lê-lo.- Que livro é esse rapaz? Ouvi a pergunta. Era do Senhorzinho sentado ao meu lado. Tinha a pele escura, cabelo e cavanhaque branco e uma cara carrancuda.- O processo, respondi.- Franz Kafka. Um sofrimento terrível. Já leu metamorfose?- Ainda não.- Pois leia! É muito bom.O homem falava isso com uma empolgação enorme, acentuada pela sua entonação grave e sotaque arrastado. E eu lá, querendo continuar minha leitura...- Sabe? Eu escrevo a 30 anos nessa cidade. Sou colunista do jornal A Voz de Mauá todo esse tempo.- Ah é? E qual é seu nome?- Aristides Theodoro.Aristides Theodoro? Não dava pra acreditar. Depois de todo esse tempo, e eu ali do lado da pessoa que tanto procurei! Mas para que o leitor entenda minha surpresa e compartilhe meu espanto, é necessária voltar uns dez ou onze anos antes.Mil novecentos e noventa e sete. Eu, ainda com dezoito, cursava o segundo ano do que é hoje conhecido como ensino médio. Lia vários gibis, um ou outro livro e escutava muita musica. Legião, Engenheiros, Paralamas, as bandas que tanto me inspiram na infância, ainda continuavam comigo. E como não conseguia aprender a tocar violão - coisa que não sei até hoje - resolvi, inspirado nessas musicas, escrever meus próprios versos. Neles, derramava todas minhas frustrações, revoltas e dores de amor. E a exemplo de todos que começam a escrever, passei a mostrá-los a todo mundo – amigos, parentes, professores – como se eu fosse o novo Camões do pedaço. Naquele ano, recebia aula de Língua Portuguesa dum professor chamado Valmir do Carmo Meira. Ele, se não apreciava minha escrita, pelo menos notou minha boa vontade. Tanto que me trouxe algo de presente.Eram três livros de um grupo chamado Colégio Brasileiro de Poetas, que a partir dos anos 60, passou a encabeçar as manifestações literárias da cidade. Três verdadeiras pérolas feitas num tempo “em que a poesia era marginal”, conforme tão bem expressava o poeta Castelo Hansen. E havia tantas poesias maravilhosas naquelas paginas! Paginas feitas por escritores da cidade onde nasci. Imaginem o que pensei? Pois é! Eu precisava conhecer aquela gente. Fazer parte, de alguma forma daquele grupo, se é que ainda existia.O professor Valmir me informou então que, embora a maioria daqueles escritores tivesse se dispersado, havia alguns deles ainda ativos. Dentre estes, Castelo Hansen, Iracema M Regis e... Aristides Theodoro. O mesmo Aristides que estava ao meu lado tagarelando e me impedindo de ler meu livro em paz. O mesmo, que anos atrás eu havia procurado sem sucesso em sua banca na praça da republica, com meu caderninho verde de poesia embaixo do braço. E, mais de dez anos depois, o achei assim, sem mais nem menos ao meu lado no banco do ônibus.Contei a ele a minha história, e após descermos do coletivo, ele fez um “breve” resumo dos quarenta anos de literatura em Mauá, e anotou meu nome e telefone. Não passou muito tempo, e fui convidado por ele e por Francisco Tânio a participar de um livro de contos sobre a cidade fictícia de Curiapeba, criada por ele. Logo, me encontrava no palco do Teatro municipal apresentando um recital de poesia ao lado da escritora Iracema, onde tive oportunidade de contar essa mesma história diante de um grupo de talentosos escritores da região.A isso se seguiram outros recitais, oficinas de contos e de poesias, participação em blogs e livros. E a história daí por diante, pode ser vista através dos vários contos e poesia que escrevi, após finalmente fazer parte do grupo de escritores de Mauá, atualmente conhecido como Taba de Corumbé.

escrito por Marcos Roberto Morteira no dia 17/06/2009

*ESTE CONTO FOI LIDO NA OFICINA DE CONTOS DO DIA 20/06 NA PRESENÇA DE VÁRIOS ESCRITORES, DENTRE ELES ARISTIDES, IRACEMA E CASTELO ( QUE CONHECI PESSOALMENTE NESSA OCASIÃO)

segunda-feira, 16 de março de 2009

TUDO COMEÇA COM UM TIJOLO...

Ao contemplar o muro, milhões de emoções conflitantes preenchem a cabeça dele.Mas são emoções que não dá pra classificar.Não dá pra explicar.Não é uma sensação de tristeza, de perda.Não é uma sensação de mudança.Não é como se fosse um rito de passagem.A única definição pra essa sensação é que é a sensação que se tem ao observar um muro ser derrubado.
Nunca mais haverá aquele muro.
Ele continuará passando por essa rua, mas não mais verá o muro.Será que sentirá falta?Ou, com o tempo, o “ex-muro” será esquecido?

***

-Queremos salário!Queremos salário! Queremos salário!
Os manifestantes empunham sua placas com dizeres contra os patrões.A polícia fica à espera de que algo aconteça.Talvez algum dos manifestantes comece uma briga, e a polícia tenha que agir.Os policiais estão de costas para a casa do patrão dos operários em greve.Eles ficam com seus escudos em posição, e preparados para pegar o cassetete à qualquer momento.O policial Augusto não espera que isso aconteça.Ele ainda não viu seu pai, mas sabe que ele pode estar em qualquer lugar no meio da multidão de operários.
Seu pai, que não gostou muito quando o filho disse que queria ser policial.”Escravo dos ditadores”, foi o que ele disse.
Os pensamentos de Augusto são interrompidos pela chegada do carro de Ermínio Maltese, dono da fábrica, abrindo caminho no meio da multidão.Os operários se aglomeram ao redor do carro, mas a polícia consegue dispersar a maioria deles, e o carro entra na garagem.
As palavras de protesto aumentam depois disso.Os manifestantes começam a gritar cada vez mais calorosamente.
-Filho da puta!-é o que mais se ouve da boca da multidão.
O policial Augusto começa a suar frio.Ele não quer ter que bater em seu próprio pai.Ele não gostaria de ter que prender seu pai.Com o olhar, ele procura por seu pai no meio da multidão.Seus pensamentos são interrompidos por um tijolo arremessado pelos manifestantes, que o atinge na cabeça.Por sorte de seu ofício, ele usava capacete, e não sofreu ferimentos graves.Mas no instante seguinte, ele perdeu a noção da ordem dos acontecimentos.Ele só se lembra de ter visto todos os policiais e os manifestantes se engalfinhando, numa guerra de pedras, paus e cassetetes.
Augusto se levantou, e chamou pelo pai.Ele correu, usando o escudo para se proteger, enquanto vários dos metalúrgicos tentavam agarra-lo, ou atirar pedras nele.
-Pai!
Ele não ouviu a própria voz, nem tem certeza se realmente gritou pelo pai, ou se apenas pensou ter gritado.De repente, um estouro.E mais outros, seguidos.E muita fumaça tomando conta do ambiente.E a multidão começou a se esvair.
Augusto caiu no chão, sem enxergar nada.Por estar no meio dos operários, ele foi pego pela fumaça, e seus olhos começaram a se sentir irritados.
Um braço o ajudou a se levantar.
-Obrigado...
Augusto tentou ver quem o ajudou a levantar, mas não conseguia abrir os olhos.Ele tateou ao redor, enquanto ouvia os sons dos cascos dos cavalos no chão.Ele tateou até colocar a mão em um muro.Ele se apoiou, e ficou lá, até que algum outro policial apareceu e o levou pra perto do portão principal, onde ele ficou se recuperando, vendo os policiais algemando alguns dos manifestantes, prensando-os no muro, para em seguida joga-los nos camburões.
Após o fim se seu turno de trabalho, augusto chegou em casa.Seu pai ainda não havia chegado.Augusto tomou um banho, jantou, e foi dormir.Ele só teria notícias do seu pai no dia seguinte, quando, ao acordar pra ir pra delegacia, sua mãe lhe falou que seu pai iria novamente pra frente do portão, protestar por melhores condições de salário, e pela libertação de seus amigos metalúrgicos.
Augusto tomou seu café, e foi pra delegacia, pra mais um dia de trabalho.Mais um dia tendo que segurar operários manifestantes.

***

A mãe acorda o filho.
-Acorda, filho.Tá na hora de ir pra escola.
Júnior, de sete anos, estava no primeiro ano do primário.Estava começando a aprender o alfabeto, e a juntar as sílabas.
Sua mãe o vestia cuidadosamente, enquanto Junior ainda acordava.Geralmente, ele só acordava completamente depois que estava todo vestido.Aí, era hora de tomar café, pegar sua mochilinha, e sair pro jardim.No caminho, Junior ia lendo todas as palavras que apareciam pelo caminho.Ele adorava ler as placas de trânsito.Na verdade, ele não lia tudo, mas apenas as poucas sílabas que estava aprendendo, e perguntava pra sua mãe o significado das palavras completas.Ele tentava ler as pichações, mas aquelas letras esquisitas, ele não conseguia interpretar.
-Ê...Nô...Is...Na fi...Tá!
“O que será que isso quer dizer?”, Junior se perguntava.
-Cu...
A mãe olhou rápido pra ele.
-Não pode falar isso, não!
-Por quê?
-Por que não!
-Porquê não?
-Porque não, e pronto!
-Mas o que é “cu”, mãe?
-É uma coisa feia.Não pode falar.Você nunca mais fala isso, tá bom?
A mãe olha pra ele com um olhar que é um misto de severidade e ternura.
-Tá.
E Assim, Junior segue com a mãe pra escolinha.Imaginando o que será “Cu”.Essa palavra iria perseguir sua mente, até o momento em que ele chegar na escola, onde as brincadeiras e as lições o fariam esquecer da palavra.
Até o momento em que ele novamente passasse perto daquele muro, e leria novamente.
Será que um dia Junior iria descobrir o significado da palavra misteriosa?

***

“Fábio HC”.Aos poucos essa mensagem ia tomando forma no muro.Ao terminar, Fábio estava satisfeito.Ele se exibia para os amigos, que fingiam entusiasmo, quando na verdade, cada um deles já tinha pichado seus nomes tantas vezes, em tantos muros, que mais um não fazia diferença.Mesmo aquele muro, já continha aos nomes de todos eles, que não havia nada de especial ter o nome de Fábio junto ao panteão de nomes.Paulão, sem entusiasmo, aponta para a rua.
-A rebeca está chegando...
Fábio olha para sua gata, que chega usando uma saia curta, e uma blusinha bem colorida.Acompanhada das amigas.Fábio e rebeca se beijam.Fernanda, meio entediada, interrompe os beijos do casal.
-Alguém tem algo pra gente fumar, aí?
Os rapazes começam a rir.Thiago tira do bolso um baseado bem pequeno, de tanto ser fumado.
-Eu tava guardando esse aqui prum momento especial.
Os jovens começam a tragar e passar o fumo de mão em mão.Fábio e rebeca são os que menos fumam.Eles estão ocupados, encostados à sobra de um poste, se beijando, e passando as mãos por todo o corpo um do outro.
-Aí, bem que a gente podia fazer que nem os dois ali, né?
Paulão apontava para Fábio e rebeca, Thiago e Dudão riram do comentário, olhando as meninas que vieram com Rebeca, Marcela e Tamires.Tamires apenas olhou para a amiga, com um ar de esnobe.Marcela, mais determinada, respondeu à altura da provocação do rapaz.
-Você acha que consegue dar conta de alguma de nós, por acaso?
Todos riem, debochando de Paulão.
-Tá me tirando, mina?
-Aí, se você não consegue nem segurar esse beque direito, vai conseguir dar alguma?
-He, he. Aí, mano!-Dudão falava, rindo.
Paulão, incisivo, olhou bem nos olhos de Marcela.
-Quer que eu te mostre?
E assim, a conversa entre os jovens segue.As meninas acabam se entregando para os rapazes, que, orgulhosamente, pensam que conquistaram elas, e não o contrário.Dudão, completamente chapado, fica só olhando eles, já que só havia duas garotas além de Rebeca.Pra ele, até que teve uma vantagem, que foi ficar com o cigarro todo pra si.Ele fuma sozinho.Ri muito.E acaba dormindo ali mesmo, no chão.
Um Passat para perto deles.O carro para perto deles.O motorista chama por eles.Thiago se coloca na dianteira dos amigos
-O que é?
O motorista aponta um revólver, e começa a atiras.Thiago é o primeiro a ser atingido.Os outros tentam correr, mas, pegos de surpresa, nenhum deles escapa. Dos tiros.Até Dudão, que por causa da maconha, nem sabia o que estava acontecendo, morreu.
O motorista do carro vai embora.
Fábio tenta se levantar.Ele se arrasta.Se apóia no muro.Ele tenta se erguer, usando o muro como apoio.Mas sua vida se vai antes que ele consiga.
No dia seguinte, reportagens em jornais.As famílias dos jovens ficam inconsoladas.Mas, para a maioria da população, apenas mais um grupo de marginais mortos.
No local, as famílias e amigos prestam homenagens, colocando velas.O muro fica parecendo um altar, com as velas e flores abaixo de onde os nomes dos rapazes estavam pichados.Alguns amigos deles depois picharam mensagens.Algumas de dor, outras de promessa de vingança.
Mas, em pouco tempo, tudo foi quase esquecido.Só o local, que parou de ser freqüentado à noite pelos jovens que vinham da periferia.
O dono da casa mandou pintar o muro algumas semanas depois.E o muro parou de apresentar pichações.

***

O homem observa a derrubada do muro.Ele ainda não tem certeza de qual sentimento está sentindo.Mas uma coisa é certa.O muro não vai fazer falta.Afinal, ele vai ser substituído por uma nova cerca.Uma cerca alta, e eletrificada.Uma cerca vai mostrar uma imagem mais amigável da família Maltese.Uma imagem que condiz com o que as corporações querem mostras no novo século.
Mas é claro que a cerca será eletrificada, afinal, nos dias de hoje, não se pode mais confiar nos filhos marginais da ralé.
O homem sorri, entra no carro, e vai pra casa.Enquanto os empreiteiros continuam o trabalho de demolição do muro da empresa.

domingo, 21 de setembro de 2008

HILDACÍLA



Pobre velhinha!

Desde moça, dizia que se tivesse filhos, gostaria que estes fossem todos meninos, pois detestava “aquele jeito fresco e enjoado de menina”. Batata! Um ano depois do casamento nasceu o primeiro menino, João Vitor, e dois anos depois o segundo, José Henrique. Mas como era um tanto chata, ou como costumava dizer, “uma mulher exigente”, os filhos sempre foram mais apegados ao pai. E quando os filhos enfim chegaram naquela fase de namoro e por fim do casamento, afastaram-se ainda mais dela. Afinal, era muito difícil para as noras conviver com a sogra que geralmente se referia a elas como “sirigaitas”, “aproveitadoras” e muitos outros adjetivos depreciativos. Depois que seu velho bateu as botas então, as coisas ficaram piores ainda! Os filhos apareciam uma vez por mês e olhe lá. Nem mesmo os netos (todos os três, meninos) lhe davam muita atenção preferindo a companhia de suas avós maternas.

Não tinha jeito. Por mais gosto que tinha pela companhia masculina, sempre perdia o páreo para outras mulheres: as noras, a outras avós de seus netos; até seu marido quando vivo preferia estar com as “sem-vergonhas com quem pulava a cerca” do que com ela. O único macho que considerava lhe ser fiel, era o Boris. Um Siamês que já por três anos amenizava os pesares de sua viuvez.

Não gostava de futebol, assistia à novela a seu lado todo dia e toda vez que sentia fome, ao invés de perguntar se a janta estava pronta, vinha se esfregar em suas pernas enquanto ronronava pedindo atenção. Quanto a outras mulheres, não chegava nem perto, principalmente de suas noras (para sua satisfação). E se alguma se aproximava, ficava todo arisco, mostrando logo as garras e presas. Em resumo: tudo aquilo que ela esperou que os homens de sua vida lhe dessem, Boris dava de sobra.

Mas a alegria durou pouco. Num domingo nublado, pôde ver pela fresta da cortina a chegada um caminhão de mudança. Torceu o nariz ao ver sua nova vizinha administrando o descarregar de seus móveis. Por volta das seis da tarde, quando preparava o apetitoso jantar de Boris – whiscas sache - ouviu o tin-dom da campainha. Era ela, a nova vizinha. Uma loira (tingida) de cabelos encaracolados (pixaim) e olhos azuis (lentes de contato), vestindo uma calça leg (de perua) e uma blusinha (com um decote enorme!) e segurando seu animal de estimação (pulguento) no colo. Uma gata angorá de pelo acinzentado (cor de burro quando foge).
- Boa tarde. Sou sua nova vizi...
-Não estou interessada!
-Não senhora, eu não estou vendendo nad...
Bateu a porta atrás de si e pode escutar a moça dizendo:
- Nossa, que grossa!
Deu um sorrisinho de canto de boca, e resmungou entre os dentes: - Rapariga! - e começou: - psiu – psiu-psiu Boris meu nenê, vem com a mamãe, vem. Boris, Boris cadê você? - olhou ao redor, e não achou o bichano, abaixou-se com muito esforço, mas não o viu debaixo da pia. – Boris, Boris, seu levado! Não se esconde da mamãe senão você não ganha papa! – apurou a audição, que era muito boa para sua idade, e escutou:
- Olha Tifani, que gracinha! Parece que você arranjou um namorado.
A velha endoidou! – Namorado? Namorado? – repetia. Virou numa velocidade e como se fosse o Jack Chan, pulou os degraus da escadinha que saia de sua porta e correu na direção da mulher enquanto gritava:
- larga ele sua desfrutada! Larga meu nenê!
A mulher tomou um susto, e quando menos esperava já tinha a idosa a estrangular-lhe o pescoço através das barras do portão.
– Sai de perto dele, vocês já levaram meus homens embora, mas o Boris ninguém tira de mim.
- Socorro, socorro – urrava a mulher num grito sufocado pelas mãos enrugadas da anciã. Foi um barraco só! A vizinhança inteira apareceu na janela. A senhorinha, após cansar de estrangular a loira, agarrou o felino pelo rabo, e o arrastou para dentro enquanto a rua toda a vaiava.

A velhusca passou um tempão sem dar as caras. E quando apareceu não era mais acompanhada por Boris que, conforme contam, podia ser visto muitas vezes trancafiado em casa a olhar pela janela em busca de Tifani sua amada – é, foi paixão a primeira vista. A vizinha bonitona, ficou tão envergonhada com o caso, que preferiu pagar aluguel em outra vizinhança. Mas por descuido de sua dona rabugenta que esqueceu a janela aberta, Boris desapareceu sem deixar pistas.

A velhota virou só tristeza. Não comia, não dormia e muito menos tomava banho (podem imaginar a catinga?) No entanto um belo dia, acordou com uma disposição que não mostrava a anos, se é que já havia demonstrado. Tomou café, banhou-se (enfim!), e foi até o pet shop. - Bom dia! Vim compra um animal de estimação. Pode ser qualquer tipo, desde que seja fêmea. - Desculpe senhora, mas não temos todos os bichinhos que temos a venda no momento, são machos. A não ser aquele hamister .
- Vou levar. Cansei de machos em minha vida! Se tivesse tido uma filha talvez não fosse tão sozinha agora.
Comprou ração, uma gaiolinha e saiu a cantarolar e a conversar com o roedor, ou melhor, roedora a qual deu o nome de Guilhermina. Tornou-se outra. Agora cumprimentava as vizinhas, e até sorria!

Mas, talvez por alguma decepção amorosa, Boris resolveu voltar. Nesse dia a velhota, que aguardava a visita dos filhos e até das noras (pasmem!) com ansiedade, deixara Guilhermina livre a passear pelo assoalho. – Guilhermina, onde você foi parar menina? Joãozinho e Zézinho estão chegando com as crianças. Você não quer ser pisoteada não, né?
Entrou na cozinha e engasgou ao ver: Boris como quem acabará de dar o bote, estava com um bigode estranho no focinho. Um bigode marrom, mexendo pra lá e pra cá. - Nãaaaaaaão!!!
Os filhos que já estavam no portão, correram para acudir a mãe. A coroa estava estatelada no chão, tremendo, com o indicador apontando para o gato
. - Gui- Gui- Gui...
Todos olharam para o siamês. Esse, como que com medo de lhe tirarem a refeição, chupou o que restava da Hamister (seu rabo) para dentro da boca, como quem chupa macarrão.
Ao ver a cena, a velha desengasgou: Gui - Guilhermina!! Deu um ultimo suspiro e virou o rosto para lado, já dura e fria.

Na lápide foi escrito o seguinte epitáfio:
- Aqui jaz Hildacília. Viveu todos os anos em função dos homens de sua vida – seu marido, filhos e netos.
Morreu devido à única “menina” que já amou.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

terça-feira, 2 de setembro de 2008

UM FATO MARCANTE NO VELÓRIO DO PAI DE PROMONTÓRIO CAPELINO DE SOUZA

Aquele dia não fora como os demais em minha vida.
Ele estava fadado a marcar definitivamente todo meu passado e futuro.
Eu, Promontório Capelino de Souza, tenho comigo que este é um dos dias que nunca vou me esquecer, é o dia em ele morreu.
Não que tenha sido um bom pai, muito pelo contrário, foi uma péssima pessoa. O tipo de homem que batia na mulher, e nem ligava pros filhos. Por isso, eu nem gostava dele. Mas nunca vou me esquecer do dia em que ele morreu.
Estava quente naquele dia, o tipo de calor que só quem nasceu no nordeste consegue suportar. Apesar de eu não ter sentido pena pelo falecimento de meu pai, tive que comparecer ao velório, claro, como manda a boa educação e respeito. Então, lá estava eu, andando de um lado pro outro, observando os parentes e amigos, que vinham me cumprimentar, e dar os pêsames. Eu fingia que estava sentindo pesar, pra não ser mal-educado.
Vários parentes que nunca vinham nos visitar estavam lá. Talvez pra se certificarem de que ele estava mesmo morto, não sei. Também tinha muitos amigos dele. Eu só ouvia comentários do tipo "Ele era uma ótima pessoa", "Ele vai fazer falta", "Um homem bom como ele não se encontra todo dia", Nem parecia que estavam falando do mesmo homem que eu conheci, que só falava comigo quando era pra exigir alguma coisa, e ai de mim se eu não obedecesse!
Num cantinho, uma tia chorava como uma bezerra desmamada, sempre com algum outro parente a lhe oferecer um braço como consolo, e um lenço limpo pra ela enxugar as lágrimas.



Como meu pai morreu,é mais um exemplo de como sua vida era devotada às besteiras inúteis.Ele morreu lutando por nosso jornalista Aristarco Vieira de Melo,o dono do jornal "Os Sertões",o qual meu pai,um leitor assíduo,comprava todos os sábados.E,assim como os fiéis da igreja Jesus Virá,Aleluia!...,meu pai acatava todas as opiniões contidas no jornal com se fossem leis absolutas.
E,por isso,quando Aristarco começou uma série de provocações contra o músico Talinho Malino de Menezes,meu pai,como um fiél seguidor do jornalista,falava mal do músico,mesmo que nunca tenha ouvido uma música sequer dele.
Aristarco,como a mairoria dos honens que conseguem grandes cargos na sociedade,usava e abusava de sua condição.Como dono do jornal,se fazia o responsável por tudo o que aconecia na cidade.Como se o fato de noticiá-las o tornasse o dono dos ocorridos.Quando um determinado evento ocorria na cidade,o sucesso,segundo ele, era consequência de seu empenho em exibir Curiapeba em seu jornal."Uma cidade só cresce quando sua história é registrada e noticiada!",ele costumava dizer.E,se alguém discordasse de qualquer coisa publicada,ou por qualquer outro motivo,se tornasse um desafeto do dono do jornal,ele publicava uma nota mencionando como a pessoa agia com má fé contra os modos da cidade.
E, como tambem acontece com homens de grande posição,ele arregimenta uma legião de cegos seguidores.Como meu pai.
Só de ler que Talinho estava misturando a música caribenha com a música brasilçeira,meu pai já esbravejava que isso era cuspir na cultura nacional,um desrespeito aos nosso verdadeiros costumes,e outras sentenças,repetidas quase exatamente como eram redigidas no jornal.
Foi isso que o fez ser morto,naquela tarde de sábado,na praça das boiadas,em meio àquela algazarra toda que se instalou no centro de Curiapeba.Foram socos pra um lado,pontapés pra outro,gente correndo e se escondendo.E duas mortes,entre as quais,meu pai.
Aristarco Vieria de Melo,o herói que meu pai defendia,após levar os primeiros sopapos dos defensores de Talinho,fugiu,e se escondeu nos fundos do bar do João Emílio Krauser,ele nem deve ter visto o que aconteceu, enquanto a população de Curiapeba demolia o centro da cidade,cada grupo defendendo um dos lados da bruiga.
Meu pai devia estar no bar do João Emílio,bebendo catilóia.Provavelmente,ele deve ter ficado enjuriado ao ver seu ídolo todo esfolado,e entrou na briga,que só acabou quando os tiros para o alto do coronel Benvindo dos Santos Arruda Real se fizeram ouvir.
Quando a poeira assentou,e os dois corpos foram levados para suas respectivas casas(coincidentemente,um dos mortos defendia Talinho,o outro,o meu pai,defendia Aristarco),as pessoas se fizeram sentir pelo jumento esfaqueado,mas os mortos,só as famílias sentiram,os outros,nem devem se lembrar que duas pessoas morreram ali.
O jornal Os Sertões,que meu pai tanto adorava,noticiou o fato,mencionou a morte do jumento,mas não mencionou nomes dos homens mortos.É isso que meu pai ganhou por ter entrado na briga de quem nem sequer o conhecia.Mas duvido que Aristarco iria ao velório de meu pai,mesmo que o conhecesse.
Mas ,vamos voltar ao que eu realmente quero contar sobre o velório de mau pai:


Eu estava cansado, e com calor. Não queria estar ali. Mas tinha que estar.
De repente, entra no recinto uma senhora, que eu não conhecia, acompanhada de uma moça lindíssima. Morena, com cabelos volumosos, lábios carnudos, que mais pareciam uma flor, olhos grandes, e um corpo cheio de curvas, do tipo que deixa qualquer mancebo de cabeça virada. Todos os homens que ali estavam olharam pra moça, apesar de ter que manter o respeito pelo finado.
A senhora entrou, aproximou-se para ver o corpo, e cumprimentou alguns dos presentes. E eu fiquei curioso em saber de quem se tratava.
Eu cheguei a minha mãe, mas, pra não dar na vista, usei de um pequeno subterfúgio:
- Mâinha, quem é aquela senhora que acabou de entrar?
- Num sei, não, meu filho. Dispois eu pergunto.
Enquanto isso, eu continuava curioso em saber quem era aquela moça tão bela.
Eu andava de um lado pra outro, sempre "esbarrando" em algum amigo do meu pai, ou algum parente, que me abraçava, ou apertava minha mão, se demorando por algum tempo, pra me contar alguma história vivida com meu pai, como se eu estivesse interessado. E, pra não ser mal-educado, eu fingia interesse. Mas eu nem sequer ouvia, meu olhar estava na moça. Eu dava uma espiada rápida, disfarçadamente, pra onde ela estava. Eu não queria perdê-la de vista. Queria aproximar-me dela, e perguntar quem ela era, como alguns dos homens já estavam fazendo. Mas eu tinha que dar atenção pra todos os parentes, tinha que fingir que estava sentindo a morte de meu pai, não podia me aproximar da moça sem dar na vista das pessoas.
Quando finalmente, me livrei do amigo de meu pai, e sua história fascinante de alguma aventura qualquer de adolescente com meu pai, meu olhar procurou a moça. Mas não a achei.
Droga! Eu a tinha perdido.
Mas ouvi a voz atrás de mim:
- Olá!
Virei-me, e lá estava ela, que me estendeu a mão.
- Meus pêsames pela morte de seu pai.
- Obrigado.
Retribui o aperto de mão. E não resisti em perguntar:
- Você conhecia meu pai?
- Não, eu não. Eu só estou aqui pra acompanhar minha tia. Ela conheceu o seu pai, quando ele era moço.
Ao dizer isso, ela deu um breve sorriso. Um lindo sorriso. Eu, então, aproveitei.
- Meu nome é Promontório Capelino de Souza. - eu disse, estendendo novamente minha mão.
- E o meu é Imbromélia Cromilda Adelaide. Muito prazer!
Depois disso, passamos o velório todo conversando, e nos conhecerndo melhor. Depois do funeral, combinamos de sair. Ficamos noivos em pouco tempo, e hoje, somos casados, e temos três filhos.
Por isso, sempre que chega o aniversário da morte de meu pai, eu agradeço. Ele pode ter sido um péssimo pai, mas pelo menos, sua morte foi um dia especial pra mim, pois foi onde eu conheci Imbromélia, a mulher da minha vida.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Susy e Malô numa receita de amor eterno...




Vocês não acreditam em amor eterno? Então vocês precisam ler minha novela Susy e Malô numa receita de amor eterno. Acompanhe a partir deste primeiro capítulo CLIQUE AQUI e leia o primeiro capítulo...




Aristides Theodoro



sexta-feira, 16 de maio de 2008

DOIS VELÓRIOS PARA UM SÓ DEFUNTO

*extraído do periódico “Os Sertões” do dia 04 de janeiro.

Alguns na cidade já devem me conhecer. Sou Mario Robério Moreno, do estado de São Paulo. Lá, publico o famigerado periódico “A Voz do Mal que Há”, que tem como objetivo, elucidar a luz da ciência, casos tidos como “sobrenaturais” ou “inexplicáveis”. Como digo naquela publicação, o verdadeiro “mal que há” por trás de tudo que existe de estranho, é justamente a ignorância e a superstição no coração dos homens que os leva a classificar o que não entendem, como manifestações sobrenaturais.
Um caso desse gênero ocorreu há alguns meses aqui mesmo, com um conterrâneo meu chamado Lucio Marcio Krauser, primo do ilustre morador da cidade, João Krauser, que veio a Curipeba com o objetivo de investir seu capital na região.O certo é que, no feriado de 15 do mês de novembro do ano passado, sua esposa, a senhora Maria Antonieta Krauser, o encontrou morto pela manhã. Por não ter muitos parentes ainda em São Paulo, e devido ao transtorno com a locomoção do corpo, a viúva preferiu enterrá-lo aqui mesmo na cidade.O corpo foi velado na propriedade que o casal havia adquirido, próximo ao centro da cidade.
Compareceram ao enterro, vários cidadãos célebres como João Krauser primo do falecido, Maninha de Matos, o prefeito Polissílabo Saraiva, nosso querido editor Aristarco Vieira e seu companheiro Ozanâ Torquato Velho além dos irmãos Justino e Esmeraldino Troncoso, dentre muitos outros coronéis. Segundo testemunhas, a viúva, que vestiu o falecido com seu melhor terno, mostravam-se inconsolável, debruçando-se sobre o caixão enquanto dizia coisas como “me leve junto com você”, por que Deus te tirou de mim?”e “volte, volte, na me deixe sozinha”.
Num dado momento do funeral, quando a viúva encontrava-se de costas para o caixão a receber os pêsames de alguém, o defunto simplesmente descruzou os dedos de cima do peito, e estendeu a mão para o lado, alcançando o dorso da viúva. Passou a apalpá-la enquanto dizia:
- Amor, onde estão meus óculos?
Acontece que ele era extremamente míope, e por não enxergar praticamente nada sem os óculos, não percebeu que estava em um caixão sendo velado. E imaginando-se em sua cama, ficou a tatear em busca de seus “olhos artificiais”. A viúva olhou por sobre os ombros, e ao ver o finado marido levantando-se, soltou um berro de horror e medo.
As pessoas no recinto tiveram reações diversas: uns desmaiaram, outros se colocaram a gritar em coro com a viuvinha, alguns até mesmo se atreveram a jogar-se pela janela do sobrado sofrendo contusões sérias. No entanto, um coronel chamado Justino Troncoso, que era justamente quem dava os pêsames a viúva neste momento, permaneceu inerte como uma estátua paralisado de medo.
Neste momento, o próprio morto-vivo assustou-se com a gritaria e tombou com o caixão no chão. Recobrou-se do tombo, levantou com as mãos estendidas feito um zumbi de folhetins de terror ou uma múmia saída do sarcófago e saiu a tatear o ar em busca de apoio. Então, provavelmente reconhecendo a viúva pela bela silueta – que eu particularmente tive a oportunidade de conferir – o pseudo defunto partiu rumo a ela dizendo:
- O que ouve querida? Viu alguma assombração?A viúva pendurou-se no pescoço do coronel Justino, que até este momento permanecia paralisado de medo, e clamou por socorro. O coronel acordou de seu transe, acredito que incentivado pelo agarrão da linda viúva, sacou a pistola da cintura e descarregou o pente inteiro no pobre coitado, furando todo seu lindo terninho
engomado.
O segundo velório fez-se bem mais tranqüilo, de acordo com as poucas pessoas que tiveram a coragem de comparecer. João Krauser, o primo, que não se conformava com o ocorrido nem deu as caras. A viúva não fez nenhum escândalo, permanecendo o tempo todo longe do caixão. Ao lado dela, o coronel Troncoso, que desde o acontecido não desgrudou da viúva a consolar-lhe.
Muitos da cidade consideraram o caso como sendo uma aparição sobrenatural. Eu, porém, classifiquei-o como um raro caso de catalepsia: um problema físico que leva a pessoa a um estado semelhante a morte; a vitima acorda depois de um tempo, como quem desperta de um sono. No entanto, como o caso é inédito nos anais de Curiapeba, o coronel Justino Troncoso foi isento de qualquer responsabilidade pela morte de Lucio Krauser, já que este já havia sido considerado morto.
Quanto à viúva, a senhora Maria Antonieta, pareceu muito grata ao coronel Justino Troncoso, já que ao vigésimo quinto dia do mês de fevereiro, pretende contrariar matrimonio com o mesmo.

- Por Mario Robério Moreno – sempre em busca da verdade.

***ESTE CONTO É BASEADO NA OBRA DE ARISTIDES THEODORO SOBRE A FICTÍCIA CIDADE DE CURIAPEBA E FAZ PARTE DO PROJETO DO LIVRO "HISTÓRIA DA S ESTÓRIAS DE CURIPEBA" QUE TEM COMO OBJETIVO FAZER UMA HOMENAGEM AO ESCRITOR E SUA OBRA.

- ESCRITO POR MARCOS ROBERTO MOREIRA (QUALQUER SEMELHANÇA COM O NOME DO "ESCRITOR DO ARTIGO DO JORNAL" DO CONTO, NÃO É MERA COINCIDÊNCIA)