sexta-feira, 16 de maio de 2008

DOIS VELÓRIOS PARA UM SÓ DEFUNTO

*extraído do periódico “Os Sertões” do dia 04 de janeiro.

Alguns na cidade já devem me conhecer. Sou Mario Robério Moreno, do estado de São Paulo. Lá, publico o famigerado periódico “A Voz do Mal que Há”, que tem como objetivo, elucidar a luz da ciência, casos tidos como “sobrenaturais” ou “inexplicáveis”. Como digo naquela publicação, o verdadeiro “mal que há” por trás de tudo que existe de estranho, é justamente a ignorância e a superstição no coração dos homens que os leva a classificar o que não entendem, como manifestações sobrenaturais.
Um caso desse gênero ocorreu há alguns meses aqui mesmo, com um conterrâneo meu chamado Lucio Marcio Krauser, primo do ilustre morador da cidade, João Krauser, que veio a Curipeba com o objetivo de investir seu capital na região.O certo é que, no feriado de 15 do mês de novembro do ano passado, sua esposa, a senhora Maria Antonieta Krauser, o encontrou morto pela manhã. Por não ter muitos parentes ainda em São Paulo, e devido ao transtorno com a locomoção do corpo, a viúva preferiu enterrá-lo aqui mesmo na cidade.O corpo foi velado na propriedade que o casal havia adquirido, próximo ao centro da cidade.
Compareceram ao enterro, vários cidadãos célebres como João Krauser primo do falecido, Maninha de Matos, o prefeito Polissílabo Saraiva, nosso querido editor Aristarco Vieira e seu companheiro Ozanâ Torquato Velho além dos irmãos Justino e Esmeraldino Troncoso, dentre muitos outros coronéis. Segundo testemunhas, a viúva, que vestiu o falecido com seu melhor terno, mostravam-se inconsolável, debruçando-se sobre o caixão enquanto dizia coisas como “me leve junto com você”, por que Deus te tirou de mim?”e “volte, volte, na me deixe sozinha”.
Num dado momento do funeral, quando a viúva encontrava-se de costas para o caixão a receber os pêsames de alguém, o defunto simplesmente descruzou os dedos de cima do peito, e estendeu a mão para o lado, alcançando o dorso da viúva. Passou a apalpá-la enquanto dizia:
- Amor, onde estão meus óculos?
Acontece que ele era extremamente míope, e por não enxergar praticamente nada sem os óculos, não percebeu que estava em um caixão sendo velado. E imaginando-se em sua cama, ficou a tatear em busca de seus “olhos artificiais”. A viúva olhou por sobre os ombros, e ao ver o finado marido levantando-se, soltou um berro de horror e medo.
As pessoas no recinto tiveram reações diversas: uns desmaiaram, outros se colocaram a gritar em coro com a viuvinha, alguns até mesmo se atreveram a jogar-se pela janela do sobrado sofrendo contusões sérias. No entanto, um coronel chamado Justino Troncoso, que era justamente quem dava os pêsames a viúva neste momento, permaneceu inerte como uma estátua paralisado de medo.
Neste momento, o próprio morto-vivo assustou-se com a gritaria e tombou com o caixão no chão. Recobrou-se do tombo, levantou com as mãos estendidas feito um zumbi de folhetins de terror ou uma múmia saída do sarcófago e saiu a tatear o ar em busca de apoio. Então, provavelmente reconhecendo a viúva pela bela silueta – que eu particularmente tive a oportunidade de conferir – o pseudo defunto partiu rumo a ela dizendo:
- O que ouve querida? Viu alguma assombração?A viúva pendurou-se no pescoço do coronel Justino, que até este momento permanecia paralisado de medo, e clamou por socorro. O coronel acordou de seu transe, acredito que incentivado pelo agarrão da linda viúva, sacou a pistola da cintura e descarregou o pente inteiro no pobre coitado, furando todo seu lindo terninho
engomado.
O segundo velório fez-se bem mais tranqüilo, de acordo com as poucas pessoas que tiveram a coragem de comparecer. João Krauser, o primo, que não se conformava com o ocorrido nem deu as caras. A viúva não fez nenhum escândalo, permanecendo o tempo todo longe do caixão. Ao lado dela, o coronel Troncoso, que desde o acontecido não desgrudou da viúva a consolar-lhe.
Muitos da cidade consideraram o caso como sendo uma aparição sobrenatural. Eu, porém, classifiquei-o como um raro caso de catalepsia: um problema físico que leva a pessoa a um estado semelhante a morte; a vitima acorda depois de um tempo, como quem desperta de um sono. No entanto, como o caso é inédito nos anais de Curiapeba, o coronel Justino Troncoso foi isento de qualquer responsabilidade pela morte de Lucio Krauser, já que este já havia sido considerado morto.
Quanto à viúva, a senhora Maria Antonieta, pareceu muito grata ao coronel Justino Troncoso, já que ao vigésimo quinto dia do mês de fevereiro, pretende contrariar matrimonio com o mesmo.

- Por Mario Robério Moreno – sempre em busca da verdade.

***ESTE CONTO É BASEADO NA OBRA DE ARISTIDES THEODORO SOBRE A FICTÍCIA CIDADE DE CURIAPEBA E FAZ PARTE DO PROJETO DO LIVRO "HISTÓRIA DA S ESTÓRIAS DE CURIPEBA" QUE TEM COMO OBJETIVO FAZER UMA HOMENAGEM AO ESCRITOR E SUA OBRA.

- ESCRITO POR MARCOS ROBERTO MOREIRA (QUALQUER SEMELHANÇA COM O NOME DO "ESCRITOR DO ARTIGO DO JORNAL" DO CONTO, NÃO É MERA COINCIDÊNCIA)

2 comentários:

Paola Vannucci disse...

Marcos,

Incrivel seus escritos, prendi-me a tarde na riqueza das suas palavras, sem duvidaS QUE VOLTAREI AQUI.....

OBRIGADA POR MAIS ESTA OPORTUNIDADE

BEIJOS

PAOLA

Aristides Theodoro disse...
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