sábado, 3 de maio de 2008

CONTINUAÇÃO DA HISTÓRIA DE PORTOVALDO JUSTOMAR - CAPITULO QUARTO E CAPITULO FINAL

  ***ESTES SÃO OS DOIS ÚLTIMOS CÁPITULOS DO CONTO 
SOBRE PORTOVALDO JUSTOMAR.
ANTES DE LÊ-LOS, QUEIRA LER OS 3 PRIMEIROS CÁPITULOS
POSTADOS ABAIXO
( COMECE NO FINAL DA PÁGINA ONDE
ESTÁ O PRIMEIRO CÁPITULO E VÁ SUBINDO LENDO OS OUTROS
DOIS ATÉ CHEGAR NESTES 2 ÚLTIMOS, QUE ESTÃO POSTADOS JUNTOS)
 

 ***APÓS A LEITURA, CONTO COM O SEU COMENTÁRIO.
(É SÓ CLICAR 
EM "COMENTÁRIOS " E DIZER OQUE ACHOU)

SUA CRITICA ENRIQUECE NÃO SÓ O BLOG, COMO A MIM COMO ESCRITOR.
OBRIGADO, E ATÉ A PRÓXIMA     



**ESTE CONTO É BASEADO NA OBRA DE ARISTIDES THEODORO SOBRE A FICTÍCIA CIDADE DE CURIAPEBA.








CAPITULO QUARTO: O NASCIMENTO DE VITELINHO NO CASARÃO DA FAZENDA BARAUNA



            Os nove meses de gestação transcorreram tranqüilamente, a não ser pelos últimos dois. Não que Rosalinda estivesse correndo algum risco na gravidez. Não, não se tratava disso. O problema era seu nervosismo extremo a medida que chegava o dia do parto. Um nervosismo como o de quem estava prestes a chegar em vias de fato, embora não se soubesse qual seria o fato propriamente dito. O certo é que achou-se por bem Rosalinda passar os últimos dias de gravidez no casarão ao lado de sua mãe Dona Bobolonha, parteira renomada entre a criadagem de seu Coronel Vitelo.
           No dia do parto foi aquele alvoroço. Todos na casa correndo para lá e para cá, os gritos da gestante, as falas estranhas de Bolonha e por fim o choro do mancebo, que chegava ao mundo por volta das 2:00 da tarde.
           Portovaldo veio do serviço ver a mulher e estranhou saber que a o filho havia nascido horas antes, sem que ele fosse avisado.
           Adentrou no casarão como sempre, pedindo licença a todos e teve a impressão que as pessoas estavam cochichando e o olhando de forma estranha. Chegou enfim no quarto em que a esposa estava com o recém-nascido. Rosalinda segurava a mão de sua mãe enquanto contemplava o berço ao seu lado com um olhar triste, resignado. Ao ver o marido na porta, só faltou pular da cama.
           - Você...? sussurrou.
           - É claro – retrucou Portovaldo – vim conhecê meu fio.
           Ao olhar o menino deitado, foi ele quem tomou um susto. O menino era alvo e tinha cabelos castanhos-claro.
           - Parecer com o mãe – disse bolonha quebrando o silêncio crepitante.
           “É”-pensava Portovaldo “com o pai é que não parece”. “Pelo menos não comigo”.
           Examinou o menino: A cor da pele, o cabelo abundante, as mãos, o furinho no queixo... A quem lhe lembrava aquele furo no queixo? Foi então que chegou coronel Vitelo, como sempre acompanhado de Muriçoca. Mais gordo doque nunca, com seu bigodão já grisalho, os olhos fechados como sempre e perdido em meio ao sua papa de sapão, o queixo furado. O queixo furado... “Num podi sê. Aquele furo no queixo. Aquele maldito furo. Igual ao do nenê. Igual ao do... ao do filho do coroné”.
           Depois daquela conclusão ele não pode ver nem ouvir mais nada. Nem o coronel lhe dando os parabéns de forma sem graça, nem as pessoas perguntando como o pequeno se chamaria, nem mesmo Rosalinda dizendo que ele se chamaria Vitelo, em homenagem ao coronel que ela considerava com a um pai.
           De repente, as pessoas perceberam que Portovaldo havia sumido. E conforme os dias iam passando, pouco se ouvia falar dele. As vezes era encontrado no meio da roça, caído ao lado de uma garrafa vazia. Outras vezes, achava-se trancado no casebre em meio ao odor de urina e cachaça. Mas ninguém ousava perturbar o pobre coitado, que de matador, passou a ter fama de corno inconformado, causando pena até mesmo em Muriçoca, seu desafeto de longa data.
Já Rosalinda, nunca mais voltou ao casebre, preferindo ficar ao lado da mãe na casa grande. Mas também nunca mais foi a mesma. Sempre voada, com cara de quem esperava, segundo diziam, a chegada do coronelzinho.
           Quanto ao coronel Vitelo, não admitia publicamente que o molecote fosse seu neto. No entanto, ao sentar em sua velha cadeira de balanço na varanda, contemplando o menino já crescido correndo atrás das galinhas, foi pego algumas vezes dizendo:
           - Pelo menos aquele peste me deu alguma coisa de bom.

CAPITULO ÚLTIMO:
O AJUSTE DE CONTAS ENTRE PORTOVALDO JUSTOMAR E CEVILHO SARAIVA DE ARROBA VASTOS



           O menino já estava com três anos, quando Cevilho apareceu novamente. Mas, para a infelicidade de Rosalinda, ele veio acompanhando por uma mulher que conhecera em São Paulo chamada Filomena de Arruda Prado, ou Filozinha para os íntimos. Era uma moça de uns 25 anos, cabelos loiros encaracolados, olhos azuis e e finos modos. Vivia sempre de vestido rodado, um chapeuzinho de fresca e com um leque sempre a se abanar.
           Cevilho declarou ao pai ter-se casado com ela. Resolveu passar um dias com a recém-esposa na fazenda, para lhe mostrar “as maravilhas da chapada diamantina”. O pai fazia-se surdo sabendo que o filho só havia voltado porque tinha gastado todo o dinheiro, e que bastava dar-lhe alguns tostões para que “o peste” sumisse de novo.
           No dia que Cevilho e sua esposa chegaram, Rosalinda desapareceu. No entanto, a única a perceber sua ausência foi sua mãe, Dona Bolonha. O coronel, que nessa época já apresentava uma saúde debilitada, estava muito ocupado em dar atenção ao menino Vitelinho.
           No dia seguinte, coronel como de costume acordou e foi ver o mancebo. Deu um urro ao perceber que o pequeno havia sumido, sem deixar nem sequer um par de meias como vestígio de sua existência. Rosalinda havia voltado a noite sem que ninguém percebesse, e levado o filho embora. Bolonha, que foi acordada pelo grito do coronel, correu para a porta do quarto. Encontrou o coronel caido no chão com a boca espumando. E antes mesmo que um médico pudesse ser trazido do centro para acudi-lo, ele já estava morto.
           Embora tivesse modos rudes de sertanejo, o coronel era muito bem quisto na cidade. Por isso compareceram ao seu funeral diversos cidadãos celebres em Curiapeba tais como Maninha de Matos e seus amigos Porto riquenhos, João krauser, Polissílabo Saraiva que era tio de sua finada esposa,e até mesmo o padre Giracino Bembém de Arruda Real e o pastor Genocídio Geronso Gerrafino, além de muitos outros coronéis e pessoas comuns da região.
           Num dado momento do velório, Muriçoca viu o vulto de um homem pela janela. Era Portovaldo Justomar. Sem ser notado, Muriçoca saiu do recinto e foi ter com o homem do lado de fora. Chegando ao lado dele disse:
           - Eu tava me perguntando quando vosmecê ia aparecer.
           Portovaldo permaneceu mudo fitando o corpo através do janela.
           - Sabe, no começo eu num gostava de vosmecê. Mas dispois do que se assucedeu, tive pena de tu. Eu só nun intendí por que vosmecê num feiz nada com a praga do coronelzinho. Nem o pai dele ia sentí farta.
           - Eu jurei que ia serví a ele. - falou Portovaldo acenando com a cabeça para o corpo.- E o peste é filho dele..
           - Ele num ti contô, num é? - questionou Muriçoca.
           - Contou o que? - perguntou de volta Portovaldo, franzindo a testa.
           - Ele num ti deu guarida porque gostô docê. Ele te devia.
           - Devia oque? - perguntou Portovaldo cada vez mais irritado.
           - O homem que vosmecê despachou, o tal Portovaldo seu pai (ao falar isso, Muriçoca pode sentir os olhos de Portovaldo faiscando), ele era amigo do coroné.            - O coroné se apaixonou por sinhá Seventina Saraiva, sobrinha do doutô Polissílabo. Ele gostava da danada. Gostava di verdade, sabe? Mas ele conseguia ter mais trato com os bichos da fazenda do que com mulé. Já Portovaldo...paricia que tinha mel. O disgramento seduziu a pobre, e dispoís largô a contada prenha. O coroné Vitelo gostava tanto dela, que aresolveu casá cum ela e assumí o fio dela. Mas ela perdeu o muleque, e acababou engravidando di novo, só que agora, o fio era do coroné. Mas como ela num se cuidava direito, num guentô o parto. O coroné nunca se esqueceu do ocorrido e tratou de despachar o muleque pra Salvador logo cedo e dispois pra Sum Paulo pra modí estudar, por que num guentava olhá pra cara dele. Mas oque mais machucava o coroné, não era ter perdido ela na morte. Nem era por ele ter sido traída pelo seu melhô amigo. O que deixava ele mais cabreiro, era sabê que ela morreu amano Portovaldo. Foi por isso que ele num deixou eu te matá. Por isso ele deixou vosmecê morar aqui e se casar com a menina Rosalinda. Porque foi vosmecê que despachô o desinfeliz.
           Ao ouvir a história, Portovaldo ficou boquiaberto a fitar o nada, como quem desvenda um segredo milenar. Começou a andar feito zumbi, entrou na casa, chegou ao lado do caixão e disse na frente de todos:
           - Minha dívida tá paga.
           Cevilho, que estava ao lado da esposa, sentiu os joelhos bater e o sangue gelar. Portovaldo que fitava o caixão, desviou o olhar para ele, que só faltou desmaiar. Já sua esposa Filozinha, ficou tão acesa ao ver Portovaldo, que disparou a se abanar feito louca. Portovaldo retribuiu o olhar insinuante da moça, e saiu em silêncio na direção do casebre. Cevilho tentou recompor-se enquanto disfarçava o nervosismo com um sorriso amarelo dizendo:
           - Rê, rê, ele era muito apegado a meu pai.
           Quando olhou para o lado, percebeu que a esposa não estava mais ali. Esta só foi aparecer bem mais tarde e disse ter se trancado no quarto todo esse tempo devido uma indisposição, e só não contou a ele, porque não queria perturbar o “maridinho com aquela bobagem”. O marido estranhou, já que havia entrado no quarto horas antes e não encotrou a esposa.
           - Seu tolinho – respondeu ela – foi no quarto de cima, perto do sótão.
           Apesar de não engulir, essa Cevilho tinha coisas mais importantes em que se preocupar (a herança)
           Duas semanas depois do enterro, num sábado, Cevilho foi ao centro da cidade acompanhado de Muriçoca. Foi levar mantimentos para serem vendidos na feira, e aproveitou para dar um pulo no bar João Krauser, tentando enturmar-se com os intelectuais da cidade, com seu papo massante e seu jeito cretino.
Foi quando ouviu um grito de fora do bar:
           - Cevilho. Cevilho. Venha cá disgramento!
           Cevilho veio até a porta do bar e pôde ver. Era Portovaldo Justomar Postado na praça das Boiadas vestido apenas com uma calça branca. Ao vê-lo, Cevilho sentiu um frio subir-lhe a espinha.
           - Venha – gritou novamente o negro.
           Em um instante, a praça das Boiadas já estava lotadas. Pessoas vindas, da feira, da rua, dos comércios ao redor - de todos os lados. Alguns haviam estado no enterro de Coronel Vitelo, e conheciam a história por trás do confronto. Cevilho, afim de disfarçar o medo, estendeu as mãos, colocou aquele seu sorrisinho estupido na boca, e disse em voz alta tentando convencer a si mesmo:
           - O que foi vingador, veio me pedir alguma coisa. Meu painho deixou de te pagar?
           - A divida que eu tinha com vosso pai, tá paga. - respondeu – é com vosmecê que tenho que me acertar agora.
           - Direitos trabalhistas, hein? Você pensa que está aonde, na Europa? – Falou Cevilho, tentando arrancar risos da platéia, que se conseguiu entender a piada, preferiu não se manisfestar. Cevilho dirigiu o olhar para Muriçoca fazendo-lhe um sinal para que ele o socorresse, mas Muriçoca fez-se de desentendido.
           Voltou o olhar para Portovaldo. Este estava balbuciando como quem marca um ritmo, um compasso, através do som. Começou então a gingar capoeira, jogando para trás um pé depois o outro, num ritmo cada vez mais veloz. Cevilho sorriu, arregaçou as mangas de sua camisa engomadinha, posicionou-se de forma patética e disse:
           - Então quer brigar? Vou te mostrar o que aprendi em São Paulo com um amigo Japonês: - Karatê!
           A maioria ali nunca tinha visto um Japonês, e muito menos sabiam o que era esse tal Karatê. Cevilho soltou um grito afeminado: - Kiaaa! - e avançou para cima de seu oponente.
           Portovaldo, sem tocar as mão no chão, saltou no ar, e numa pirueta, atingiu a nuca do idiota. Este, avançou para frente “catando cavacos” até cair enfim de cara no chão levantando poeira. A multidão foi ao delírio, vendo o paquiderme estirado ao chão. Este levantou com a mão no queixo aparando o sangue que caia em bicas e disse:
           - Beu dariz vozê guebrou beu dariz!
           A euforia era geral. Cevilho levou a mão a cintura em busca da pistola. Não encontrou nada! Olhou para o lado e viu que Muriçoca estava com revolver dele na mão. Muriçoca havia apanhado a arma de seu coldre sem que ele percebesse!
           Agora estava claro! Tudo aquilo tinha sido planejado entre os dois, talvez desde o enterro de seu pai. Então, todo seu medo e a sua dor, foram substituídos por uma fúria descomunal. Lembrou-se da faca que guardava por dentro da bota. Apanhou-a e partiu para cima de Portovaldo, como um touro contra o toureiro.
           Portovaldo lançou-se ao ar como se a gravidade não o dominasse mais, e atingiu Cevilho novamente. Lançou-se de novo, e de novo atingindo-o golpe após golpe, rodopiando, dançando em pleno ar, como um príncipe africano, com seu corpo negro reluzindo a luz do sol. Um verdadeiro guerreiro, uma força da natureza.
           Já Cevilho, recebia tantas pesadas na cara, que não tinha nem a chance de cair. Ficava a bailar sob os golpes do negro, como um fantoche nas mãos de um ventríloquo. E ao cair finalmente no chão - mais exausto de apanhar do que o outro de bater – rastejou tentando alcançar a faca caída a sua frente. Quando enfim alcançou-a, sentiu o pé descalço de Portovaldo esmagar-lhe a mão.            Portovaldo agachou-se, colocou a faca atrás, na cintura, virou o corpo de cevilho para cima e debruçou-se sobre ele. Portovaldo fixou seu olhar sobre o oponente que mesmo com olho inchado pôde enxergar o olhar fuzilante dele.            Depois de uns segundos fitando-o – segundos que pareceram uma eternidade, tão grande era o silencio na praça – Portovaldo passou a esmurar-lhe a carona contra o solo e a dizer:
           - Queixo furado!! Maldito queixo furado!
           Cevilho estava preste a desfalecer, quando Portovaldo abaixou-se ao pé de seu ouvido e disse sussurrando:
           - Eu tive di guentá treis anos de disaforo, sendo tratado como chifrudo porque me sentia em divida com vosso pai. Agora que paguei minha divida cum ele, vosmecê é que me deve. Me deve sua vida miserável que eu polpei hoje. Por isso, vosmecê vai cuidar do menino como se fosse seu.
           - Mas o menino foi embo...
           - Cala boca!! - gritou Portovaldo interrompendo o traste. Baixou a voz novamente e continuou a dizer:
           - Se eu souber que vosmecê maltratou o muleque – e eu vou saber – vosmecê é um homi morto.
           - Muleque? Que muleque? Questionou Cevilho ainda lembrando do menino que Rosalinda levou embora.
           Portovaldo respondeu: - Vosmecê vai saber. Pegou então a faca presa em suas costas e cravou-a na coxa direita de Portovaldo com tamanha força que quase varou no chão.
           O homem soltou um grito horrendo de dor como ninguém jamais havia escutado. Um grito tão horripilante, que todos os cães começaram a ladrar e os pássaros espantados partiram em revoada.
           Portovaldo levantou-se e saiu andando traquilamente. A multidão abriu caminho para a sua passagem e ele seguiu estrada a fora até sumir na linha do horizonte.
Depois desse dia, nunca mais foi visto por aquelas bandas. Alguns se perguntam se ele assumiu o nome de Cervilho após vigar-se dele, assim como havia feito com o ultimo homem que se vingou.
Quanto a Cevilho, nunca mais apareceu no centro da cidade. Uns acreditam que seja por causa da perna ferida que o condenou a mancar pelo resto da vida. Já outros, culpam a humilhação que sofreu as mãos de Portovaldo em plena praça das Boiadas, na frente de todos.
Dizem que ele fica sentado na varanda, na velha cadeira de balanço de seu pai, contemplando o filho que sua esposa ganhou uns nove meses após a morte do Coronel Vitelo, correr atrás das galinhas no terreiro.
           O menino é saudável, embora não se pareça muito com Cevilho. Ele não possui sua pele clara, seu cabelo liso e muito menos o tal do furo no queixo. Na verdade, o menino tem o cabelo um tanto crespo e é meio escurinho.

 
FIM





Um comentário:

Dri disse...

Marcos, estou pasma com tua capacidade de envolver o leitor em sua história.Andei um pouco ocupada esses dias e demorei pra vir visitar seu blog.. e olha: valeu muito a pena!!
Sempre que tiver novidades por aqui, me avise!!
A história é maravilhosa, envolvente, e tem um desfecho maravilhoso!!! Parabéns pela criatividade e pelo seu rico vocabulário!
Adooreii